Categoria: Artigos
Data: 17/03/2022
A dor do sofrimento é intensamente agravada quando nossa angústia é usada como combustível para outros atacarem nossa fé. Nessas horas, perguntas como: “Mas, você não crê em Deus?”, “por que Deus permite que você sofra assim?”, “será que Ele realmente existe?” ou “por que ele não vem ao seu socorro nesse momento?” etc., soam aos nossos ouvidos como vinagre sobre a ferida aberta.

O salmista, no Salmo 42, descreve sua situação quando, além de lidar com dor do seu abatimento, teve que ouvir os insultos dos seus adversários que lhe perguntavam: “O teu Deus, onde está?” (v 3,10). A narrativa do salmista ganha cores e realismo, não apenas pela linguagem poética e as metáforas que ele emprega, mas pelo fato de que sua experiência continua sendo comum a outros crentes. Primeiro ele menciona o abatimento de sua alma, o qual não foi causado por algum pecado específico, pois ele não menciona nenhuma de suas transgressões nesse salmo (diferente daquilo que se encontra nos salmos 32, 38 ou 51). O sofrimento do salmista é agravado pelo fato de ele não poder se encontrar com Deus face-a-face (v 2). Além do mais, ele se sente atingido pelas ondas e vagas do Senhor, como alguém que tomou um “caldo” no oceano e ao se levantar se vê completamente desorientado não sabendo onde está, o que passou sobre ele e que direção tomar (v 7). Em sua dor o salmista buscava a Deus, mas o Senhor parecia ter se esquecido dele (v 9). Para piorar a situação, algumas pessoas ao redor do salmista passam a atacar sua fé em Deus insultando-o: “O teu Deus, onde está?”. Era como se os zombadores perguntassem se ele continuaria crendo em Deus mesmo diante aquela situação de sofrimento e abatimento notório. O efeito daquele questionamento para o salmista era semelhante ao esmagamento dos seus ossos (v 10). Se os ataques diários a nossa fé nos machucam, os efeitos dessas investidas podem ser bombásticos quando ocorrem nos momentos de dor e angústia. Nessas ocasiões, nosso sofrimento intensifica e se torna quase insuportável.

Como lidar com os insultos à fé e à devoção pessoal nos momentos em que estamos sangrando por dentro? Como suportar os ataques a nossa fé e ao Deus a quem amamos quando o próprio Deus parece ter se esquecido de nós? Como responder aos adversários da nossa fé quando o Senhor parece tão demorado em atender ao nosso clamor e nos livrar do abatimento da alma? Ao analisar as palavras do salmista no salmo 42 é possível identificar alguns princípios extremamente benéficos sobre a essas questões.

 
As ofensas e os insultos à fé não devem ser ignorados

Geralmente quando estamos angustiados nossa atenção permanece tão focada em nossa dor que não queremos lidar com outros fatores que agravam o nosso sofrer. Dessa forma, é comum racionalizar que “palavras são palavras” e que elas não nos farão mal algum. Também é possível se sentir tão esmagado que pensamos não termos qualquer autoridade para responder ou lidar com os ataques a nossa fé. O problema é que ignorar esses ataques não ajuda, pois eles não apenas machucam, mas podem minar nossa fé e diminuir nossa devoção a Deus.

“Palavras machucam” e o efeito delas pode ser comparado ao “esmigalhar ossos”. O salmista, ao invés de ignorar as afrontas sofridas, admitiu o mal que elas lhe faziam e as apresentou ao próprio Deus em oração. Se o abatimento e a dor nos faz sentir sem autoridade para responder aos críticos, nosso caso deve ser apresentado àquele que é a autoridade última em todos os assuntos.

Algumas medidas devem ser tomadas para se cultivar a fé mesmo em meio ao abatimento

Ao se sentir enfraquecido em sua angústia o salmista não permaneceu passivo, mas se mostrou proativo em zelar por sua fé e devoção pessoal. A primeira coisa a ser feita nesses instantes é buscar a Deus como um animal sedento que anseia pela água (v 1). O que mais precisamos em nossa fraqueza é da comunhão íntima com aquele que nos fortalece (cf. Fp 4.13). Afastar-se de Deus ou deixar de buscá-lo em nossa angústia é atentar contra o que mais necessitamos nessas horas. Ao invés de “baixar a guarda”, devemos intensificar nossa vida devocional. A segunda coisa que observamos o salmista fazer foi reviver na memória os instantes de maior alegria em sua comunhão com Deus e o seu povo (v 4). O benefício dessas benditas lembranças é resumido no poema do puritano John Newton que dizia: “seu amor no passado me persuade a confiar que no presente e futuro continuará a cuidar”. Há ocasiões que as nuvens dos problemas ocultam de nós o brilho da presença e cuidado de Deus, mas a lembrança dos instantes nos quais desfrutamos dessas bênçãos de maneira tão vívida pode fortalecer o coração abatido.

Ao invés de sucumbir em sua tristeza, o salmista ainda se pôs a “pregar para si mesmo”, dizendo à sua alma: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei” (v 5,11). O fato é que ninguém tem maior influência sobre nós do que nós mesmos, pois falamos com o nosso íntimo a todo instante, até quando dormimos, em nossos sonhos. Assim, a pregação direcionada ao nosso íntimo é um recurso vital para triunfarmos em meio ao abatimento e as afrontas daqueles que insultam nossa fé.

Por último, o salmista cultivou a sua fé em Deus ao atentar para as manifestações da misericórdia de Deus (v 8). Se ele não podia ver Deus em meio aos seus sofrimentos e não podia ter um encontro face-a-face com Deus naqueles momentos, ele podia notar que Deus lhe concedia misericórdia diária. A bondade de Deus se manifesta de variadas formas aos seus filhos quando eles sofrem e são afrontados. Outros talvez não vejam isso ou nem dão a devida importância, mas o crente devoto a cultivar sua fé e comunhão com o Senhor sempre procura observar os “rastos” de que o Deus misericordioso também desce ao vale da sombra da morte para confortar seus filhos.

Responder aos críticos e zombadores com a convicção de que nossa vida não se resume aos momentos de nosso abatimento.

Quando alguém deseja atacar nossa fé e comunhão com Deus, essa pessoa geralmente aponta para as condições horríveis do presente e para as calamidades que nos rodeiam. Na verdade, isso é tudo que essas pessoas podem fazer, pois elas não possuem qualquer perspectiva de eternidade e o futuro para elas é sempre determinado pelas condições presentes. Todavia, o servo de Deus sabe que a história de sua vida é determinada por Deus e não pelas circunstâncias. Podemos não conhecer o amanhã, mas conhecemos aquele que governa o amanhã, e ele é gracioso!

A tônica de esperança nas palavras do salmista para si mesmo é notória, pois ele está convicto que ainda louvará o Senhor, o seu auxílio e seu Deus (v 5,11). A melhor resposta que ele poderia dar aos seus adversários e críticos de sua fé naqueles momentos era a certeza de que sua existência não seria reduzida àqueles instantes de dor. Os olhos do salmista se dirigiam ao futuro e não de detinham “paralisados” em sua condição presente. Semelhantemente, em nossa dor e angústia devemos elevar nossos olhos para o Senhor, sabendo que, comparado à eternidade, nossa tribulação é “leve e momentânea”, ainda que ela pareça insuportável nos instantes atuais (cf. 2Co 4.7).

Finalmente, quando temos nossa fé atacada em nossos momentos de abatimento, ainda podemos fazer algo que o salmista não poderia em sua época. Nós podemos olhar para as páginas dos evangelhos e perceber que os zombadores fizeram o mesmo com o nosso Senhor. Quando Jesus estava na cruz, algumas pessoas lhe proferiram as seguintes palavras: “Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora, se, de fato, lhe quer bem; porque disse: Sou Filho de Deus” (Mt 27.43). Assim, as zombarias e ataques à fé do servo de Deus que sofre e tem sua alma abatida resultam na identificação com o Redentor. Além do mais, o crente pode ter a certeza de que o seu Intercessor diante do Pai conhece muito bem o que significa ter sua fé afrontada no momento da aflição e por isso é capaz de nos consolar e enxugar dos nossos olhos cada lágrima.

Rev. Valdeci Santos

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Autor: Rev. Valdeci Santos   |   Visualizações: 2349 pessoas
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