
Categoria: Artigos
Data: 09/08/2024
Predestinação & Missão: uma associação essencialmente bíblica
Hermisten Maia Pereira da Costa
Calvino afirma: “(....) nenhuma nação da terra e nenhuma classe social são excluídas da salvação, visto que Deus quer oferecer o evangelho a todos sem exceção”. À frente continua: “Aqueles que se encontram sob o governo do mesmo Deus não são excluídos para sempre da esperança de salvação” (As Pastorais [1Tm 2.4-5], p. 60,62).
E ainda, “(...) o Senhor ordena aos ministros do evangelho (que preguem) em lugares distantes, com o propósito de espalhar a doutrina da salvação em cada parte do mundo” (Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, MI: Baker, 1996 [Reimpr.], v. 17, [Mt 28.19], p. 384).
Analisando uma das implicações da petição “venha o teu reino”, comenta: “(...) nós oramos pedindo que venha o reino de Deus; quer dizer, que todos os dias e cada vez mais o Senhor aumente o número dos seus súditos e dos que nele creem” (As Institutas: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, [III.9], p. 124).
Deus ordinariamente chama, persuade e congrega o seu povo por meio do seu povo. Nós somos instrumentos, “elos vitais” no desenvolvimento do propósito salvífico de Deus, proclamando a sua palavra de salvação.
Quem será salvo? Quantos serão salvos? São perguntas que não nos compete fazer. Nossa responsabilidade é cumprir a ordem expressa de Cristo de anunciar o evangelho a todos, sabendo que a conversão é uma operação do Espírito.
Compete-nos apenas pregar, não especular. Calvino nos ensina mais uma vez: “(...) devemos depreender dessa passagem que a doutrina da predestinação não serve para nos arrebatar para as especulações extravagantes, mas para abater todo orgulho em nós, bem como a tola opinião que sempre concebemos do nosso valor e mérito próprios, e para mostrar que Deus tem livre poder sobre nós, bem como privilégio e domínio soberano, de tal modo que pode reprovar a quem quiser e eleger a quem lhe apetecer” (Sermões em Efésios, Brasília, DF: Monergismo, 2009, p. 82).
Comentando o salmo 96, Calvino sustenta que “O salmista está exortando o mundo inteiro, e não apenas os israelitas, ao exercício da devoção. Isso não poderia ser efetuado, a menos que o evangelho fosse universalmente difundido como meio de comunicar conhecimento de Deus. (...) O salmista notifica, consequentemente, que o tempo viria quando Deus erigiria seu reino no mundo de uma maneira totalmente imprevista. Ele notifica ainda mais claramente como ele procede, ou, seja: que todas as nações partilhariam do favor divino. Ele convoca todos a anunciarem sua salvação (...)” (O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 2002, v. 3, [Sl 96.1], p. 514-515. Veja-se: Calvino, As Institutas, III.23.14).
Com seu espírito missional, em meio a tantas dificuldades, Calvino se tornou o teólogo, teórico e agente missional de rara grandeza, comprometido no preparo de missionários e seu envio, sendo, possivelmente, o Pai da Missões Reformadas.
Longe de ser um obstáculo à evangelização a doutrina da eleição é, na realidade, um estímulo vital e consolador. O zelo missionário de Calvino tem muito a ver com esse ensinamento da Escritura.
A doutrina da predestinação não torna a evangelização desnecessária; antes, a torna fundamental, já que é por meio do evangelho que Deus chama o seu povo. Conforme temos visto, em diversas partes de seus escritos Calvino demonstrou a compreensão de que o evangelho deveria ser pregado a todos e, como essa missão ainda não foi completada, compete-nos realizá-la (Veja-se: John Calvin, Commentary on the Prophet Micah. In: John Calvin Collection [CD-ROM] [Albany, OR: Ages Software, 1998], [Mq 4.3], p. 101).
Devemos trabalhar com urgência dentro da esfera que nos foi confiada por Deus. O que não nos pertence deixemos onde está de modo firme e seguro: sob os cuidados de Deus.
O senso de urgência da Igreja deve derivar do senso de urgência de Deus. A missão é de Deus. Ele soberana e graciosamente se agencia por meio da Igreja, onde manifesta a sua glória a homens e aos anjos: “Ainda que Deus seja suficiente a si mesmo e se satisfaça exclusivamente consigo mesmo, não obstante quer que sua glória se manifeste na Igreja” (O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP: Fiel, 2015, v. 1 [Jo 2.17], p. 100).
A eleição do povo de Deus é para o serviço de Deus na sociedade. A doutrina da vocação é o fundamento da teologia da vida cristã. Deus, no seu amor eterno, exorta a igreja a partilhar esta mensagem com todos, de uma forma “centrífuga”.
A pessoa de Cristo tem em si mesma e em sua obra a força centrípeta que nos atrai e, num processo natural dessa atração transformadora, exerce a sua força centrífuga que nos conduz de modo imperativo a anunciar a sua pessoa e os seus feitos gloriosos e redentores entre todos os povos.
O Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, pastor-auxiliar na 1ª IP São Bernardo do Campo, São Paulo, SP, é Coordenador de Curso e ensina teologia no JMC, é membro do CECEP e do Conselho Editorial do Brasil Presbiteriano.